Hoje é dia Internacional da Mulher. Eis que, logo cedo, eu recebo a seguinte mensagem:
“Amiga, preciso de ajuda. Estou em uma situação que não
consigo resolver. Minha mãe, minha irmã e meu padrasto viajaram juntos e ele
acabou tendo que voltar mais cedo para resolver uns assuntos da empresa dele.
Acabou que ficamos só nós dois em casa. Desde que soube que isso aconteceria
fiquei mega desconfortável com essa situação. Apesar de gostar dele e ‘confiar’
nele, já passei por situação de tentativas de abuso que me deixaram meio
traumatizada. Como estou com um tio doente, minha mãe acabou demorando ainda
mais tempo para voltar. E eis que o que eu mais temia começou a acontecer. Ele começou
a me pedir abraços quando eu ia sair de manhã e mesmo com a casa vazia ele só
queira sentar ao meu lado, qualquer coisa era motivo para isso, para tentar uma
aproximação. Para evitar problemas,
quando ele sentava eu me levantava e saia. No inicio eu achava que era coisa da
minha cabeça e, como achava muito estranho, evitava ao máximo dar brechas para
essa situação. Ontem quando cheguei em casa, a noite, depois da aula, ele
estava deitado no sofá. Guardei minhas coisas e fui jantar. Eis que ele levanta
a cabeça e me chama: ‘deita aqui comigo, fica aqui mais perto de mim, você está
muito longe’ (enquanto batia no sofá em que eu estava). Não acreditei no que eu
estava ouvindo. Acenei que não, me tranquei no quarto e morri de chorar por não
saber o que fazer. Eu não trabalho, sou 100% dependente financeira da minha mãe
e, pelo que a conheço, tenho certeza absoluta de que ela não vai acreditar em
mim. Tenho medo de que isso piore. Tenho medo de falar e me expulsarem de casa,
não tenho para onde ir. Essa não é a primeira vez que isso acontece. Qual o
problema que há comigo? E já nem uso roupa curta, só uso saias longas ou roupas
comportadas. Tenho medo de contar. Tenho medo de não contar. Essa noite foi tão
horrível que pedi a Deus que me tirasse a vida. Não consigo sair do quarto e
não sei o que fazer. Por favor, me ajuda!”
Primeiro, eu simplesmente chorei. Fiquei paralisada por não
saber como ajudar essa pessoa que está me pedindo socorro. A minha vontade
única é dizer para ela: denuncie. Mas, não é tão simples assim. Pedir que ela
simplesmente ‘grite ao mundo’ significa ignorar todas as consequências que isso
pode gerar. Mas, ela também não pode ficar calada e aceitar que isso aconteça
desta maneira.
Eu não me considero uma feminista ativista (embora acredite
que toda mulher que deseja uma melhora de vida para si, que estude, que deseje melhorar
profissionalmente, que se preocupe com a política e ‘etc e tal’ seja feminista
de alguma maneira) mas, tudo gerou um turbilhão de sentimentos e pensamentos em
mim que levam a pensar: até quando???
Fiquei me lembrando da história das argentinas Maria José e
Marina que foram assassinadas no mês passado enquanto viajavam pelo Equador (por
se negarem a dormir com o assassino) e que levantaram a discussão na América
Latina sobre assédio e sobre os direitos da mulher.
Fiquei me lembrando de uma fala que ouvi no último final de
semana, que embora o orador tenha dito que tinha outro sentido, externava de
que a mulher que usa roupa curta provoca o violentador e que ela pode ter culpa
da violência sexual por provocar a ‘natureza’ do homem.
Fiquei me lembrando das inúmeras discussões que tive com um
amigo irmão (que por sinal é mais feminista do que todas as feministas que eu
conheço [acredite se quiser]) sobre o caso do suposto caso de estupro de uma menina durante o réveillon em Brasília (segundo noticiário não houve indícios de violência e o inquérito não foi instaurado), sobre ela estar bêbada, se houve ou não violência sexual, da
ausência de direito de qualquer um sobre o corpo do outro e tudo e tal.
Fiquei me lembrando de um vídeo que a vlogueira Jout Jout
publicou ontem em que Nátaly Neri, do canal Afro e Afins, deu uma aula sobre o
feminismo que nós pouco entendemos.
E de tantas e tantas outras histórias que lemos, ignoramos e
não nos envolvemos no dia-a-dia.
O fato é: é fácil estar alheio a todas essas questões quando
não acontece com a gente. É fácil ter um ponto de vista machista e colocar a
culpa na mulher. É fácil dizer: ‘denuncie’ ou ‘não fala nada’. É fácil ter uma
resposta para o problema do outro, sem avaliar as consequências que o outro vai
ter que assumir. É fácil dar uma rosa ou um “Feliz dia Internacional da Mulher”
quando no fundo precisamos de direitos, de leis e de combate a violência.
Receber esse pedido de socorro dói no fundo da minha alma
porque, como ela, e como milhões de mulheres em todo o mundo, eu também não sei
o que fazer.
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